2.27.2013

A vocês, meu segredo!



Gostaria de dedicar esse texto-confissão aos leitores assíduos do meu livro-vida. A vontade de escrever sobre esse assunto partiu da demanda de "elogios" que tenho recebido quanto à superação ao longo de minha "pequena" jornada.

Eu nunca lidei muito bem com o esconderijo, e até quando me tento a ele, faço de maneira escandalosa. Não sei viver à sombra de minha própria vida, não consigo enclausurar meus sentimentos. Já tentei, mas confesso que não é meu forte. Engraçado como os outros tem dificuldades de lidar com pessoas como a mim. Falo isso porque sou sempre criticada, sempre indagada e as vezes até confrontada. Mas sou assim. Eu falo, eu escrevo, eu dou sempre um jeito de me tornar entendida, vista e na berlinda de análises. Por algum tempo até pensei estar errada mas ultimamente tenho recebido os frutos positivos disso. Entendam, não é sair por ai colocando outdoor ou cartazes do tipo: venham, em cena hoje, minha vida! Não não, nada disso, mas é se permitir ser você mesmo, com alegrias e tristezas, amor e ódio, acertos e erros, desnudado de convenções. 

Estou apenas generalizando um pouco aqui meu estilo de ser para entenderem o propósito dessa dissertação. Ultimamente tenho recebido mensagens do tipo: você tem sido uma inspiração pra mim! Você não sabe o quanto sua história tem me ajudado, principalmente por ver como reage as próprias dores! Você é mais forte do que pensa... entre outras. E então percebi que no meu caso tem valido a pena ser como eu sou, tenho encontrado destino no que passo e no que transmito. De repente, o que vivo está sendo útil como esperança para tantos que se encontram perdidos em si mesmos. 

Não é novidade a ninguém que tenho tido algumas decepções amorosas, e a última experiência quase me tirou o equilíbrio mental. Eu não sou nenhuma santa, muito menos vítima, mas fico por entender a capacidade desumana de certos seres que respiram. Eu surtei (do entendimento científico psicológico), surtei mesmo! Vivi uma inconstância existencial e até cogitei morrer para os outros já que dentro de mim não havia mais vida. Só que graças a Deus, o Pai me tem, e roubando a frase de uma grande amiga: devo ser o xodozinho dEle. Porque nunca vi tanto cuidado com alguém como Ele tem por mim. 

Sempre fui muito questionadora de mim mesma, e sempre expus esses questionamentos, sempre amei muito e sempre externei essa condição. E hoje vejo que não foi em vão. As vezes eu ficava me perguntando... Deus, mas por que comigo? Por que de novo? Eu não dou conta mais, eu já não consigo prosseguir. Me sinto pior do que José, porque comigo também sempre tem como piorar mas pelo menos José tinha fé e eu oscilo tanto na minha. Que sentido tem tudo isso? Por que comigo sempre acontece dessa maneira drástica?... E foi olhando para dentro que passei a ser vista.

Deus tem um chamado para todos, Ele tem promessa, Ele tem propósitos mas Ele precisa trabalhar nosso caráter, e enquanto Ele trabalha nesse processo, a energia é dissipada aqueles a nossa volta. A cura não está no resultado acabado da felicidade e sim na capacidade de superação em Deus enquanto momento de luta. Sabe, eu achei que eu fosse virar pó dessa vez, e a humilhação passou de virtude para insistência. E então percebi que o momento ápice da dor foi a oportunidade que tive de refazer minha vida, mais uma vez.

Eu sou tentada a odiar, mas o amor que é Deus em mim me provoca a permanecer firme (mesmo que em desequilíbrio momentâneo) na essência de ser filha dEle. Não me envergonho das vezes que fui atrás, dos momentos que questionei o por quê da rejeição (totalmente sem explicação), e não me sinto ofendida por me chamarem de coitada pelas costas... porque eu apenas fui eu mesma, verdadeira com o que sentia e fiel às minhas convicções. Eu nunca deixarei de acreditar no amor, mesmo que hoje em dia há mais máscaras do que rostos. Nunca exilarei o próximo de meus afetos por conta de vampiros existenciais que conheci. Não, não... eu estaria sendo mais uma egoísta, e me colocaria ao patamar desses que comercializam sentimentos. 

Quando converso com pessoas que sabem da minha história, levo a elas sempre a ingenuidade (mesmo que sofrida) de esperar pelo grande amor. Calma calma, o príncipe não existe, mas acredito fielmente que ainda há pessoas que amam por refletir o amor de Deus, e até escrevi esses dias sobre isso:
"Engraçado como tem sido deturpado a verdade de amar o outro como a si mesmo. Precisamos entender a ofertar aquilo que de mais sublime temos recebido pela graça e bondade do nosso Deus. Ele, tendo nos amado primeiro nos ensinou a enxergar esse amor em nós mesmos afim de que pudéssemos transmití-lo ao próximo. Mas as pessoas tem amado a si mesmas não pelo reflexo divino e sim pelo ego narcisista! Esse amor é egoísta e só gera dívidas. Porque um egoísta não ama, ele empresta sentimento. E Deus disse que nos finais dos tempos o amor se esfriaria... É, caminhamos nesse processo de ver menos de Deus refletido e mais de umbigos carentes e famintos. Entender a tudo isso é até fácil, apesar de horroroso, mas amar com a concepção certa e não ver os frutos desse amor, intriga, pelo menos a mim, o porquê de tamanho sentimento não alcançar, por si só, os corações já tão frios e mortos. Será culpa de quem oferta (à sua maneira) ou de quem não reconhece sublime presente? Bom, na dúvida, se não conseguimos de fato amar da maneira certa, então que sejamos, pelo menos, eternos apaixonados pela motivação de tentar.

Então a vocês que desistem, a vocês que guardam mágoas, a vocês que não superam a rejeição... cuidado! Vocês correm um grande risco de serem os futuros egoístas. Jesus pagou o preço por nos amar, e apesar de não termos dívidas por esse ato, somos criaturas à sua imagem, somos seus imitadores, então quem disse que teremos o privilégio de amar apenas a quem nos ama? Quem disse que será fácil? Quem foi que te iludiu? Hollywood? Tenha santa paciência né?!  Você foi ferido? graças! Foi abandonado? graças! Foi traído? graças! Sim, agradeça pelo privilégio de poder ser na vida dessas pessoas o reflexo de Cristo! Não crucifique seus devedores, mas carregue sua cruz e morra para seu próprio orgulho. Só se deixa ser machucado quem vive o presente com os olhos do passado, por isso... Saiba: A alegria se renova cada manhã porque é pra frente que se anda... um dia de cada vez...

                                                                                    E hoje, aqui, meu melhor de ontem!

                                                                                             Obrigada amigos pela inspiração.

2.25.2013

Foi apenas uma curiosidade


- Oi?
- Olá?
- Desculpa mas, posso entrar? Olá?
  E então a falta de uma resposta convidativa me fez caminhar com sentimentos de invasão. Eu realmente queria, na verdade precisava, conhecer aquele lugar. Fui invadindo aquela névoa escura, que pouco me permitia enxergar, e que por vezes me constituía surda, na eminência de finalmente encontrar.
  O que eu estava procurando propriamente eu não sabia, pelo menos ainda, mas definitivamente fazia meus pensamentos refém de uma curiosidade sem fim.
- Olá? Olha, eu fui entrando porque vi a porta aberta e...
  Pausei a frase que saia subitamente em forma de satisfação, já não sabia se estava mais louca por adentrar um lugar desconhecido ou por conversar sozinha em tom de explicação.
  Não sabia mais o caminho de volta e isso me impulsionava a continuar, aquela escuridão, que até ecoava meus pensamentos, de repente me cegou! Uma luz forte, e demasiadamente branca, pôs fim a jornada, e naquela aflição por tentar abrir os olhos, finalmente no momento em que eu poderia ver alguma coisa, me fez sentir um desespero por saber o claro estando ainda no escuro. De olhos fechados, ainda tentando me acostumar com a claridade, percebi não estar só e me senti ironicamente a vontade.
  Me forcei um silêncio por não me permitir outra loucura, porque se de fato eu não estivesse só, o outro louco se comunicaria. Algum tempo se passou, e no abrir dos olhos me enxerguei estranhamente refletida nas paredes daquela sala cheia de espelhos. Havia ali uma poltrona requintada no topo de um degrau (única elevação disponível) e de resto, eu mesma.
  Fiquei na espera de alguma figura que merecesse sentar naquele lugar de destaque, mas o tempo só revelou minha frustração. Então, movida pelo sentimento de "pecado" porque na altura do campeonato eu já nem sabia mais a referência de certo ou errado, sentei naquele tão exuberante assento.
- HAHAHA
  Gargalhei
- Vamos agora entrevistar ela: uma pessoa disponível para o conhecimento.Essa pessoa, que em insana razão se encontra racionalmente louca.
- HAHAHAHAHAHA
  Racionalmente louca... Falei comigo mesma, já em tom baixo, como se eu estivesse comentando algo alheio a mim. De certa forma, o que eu tinha dito foi uma forma de me concentrar naquele absurdo sem perder o controle de minha consciência. Mas, eu já me percebia louca. Meus Deus, louca...
- Louca?
- É, só pode ser, porque para entrar aqui sem ser chamada...
- Mas eu queria conhecer esse universo...
- Universo? Em que mundo você vive? Não há universo minha querida, há percepções. Aquilo que você concebe, então é.
- Aff, então eu vim aqui para descobrir que nada sei? Para saber que o vazio e o abstrato é tudo o que eu preciso?
- Calma, calma, você parece confusa!
  Meu Deus, que loucura é esse lugar.
  Falei em pensamento para evitar a continuação do diálogo, ou monólogo, já nem sabia mais. Quase que em sensação de desmaio, fui deitando naquela poltrona, cansada e indisposta a raciocinar.
- Não mãe, hoje não vou não...
  Falei de súbito ao acordar. Nossa, eu dormi? Será? Ou apenas entrei em estado de delírio? Bom, tudo o que eu sei agora é confuso, e tudo o que está embaralhado parece ser real. Ah, se eu pudesse nem ter entrado. Preciso sair daqui, esse lugar está matando minha consciência.
- Seu inconsciente domina quando seu raciocínio parece fugir do seu controle, "minha cara".
  Disse uma voz suave, convidativa e pertinente.
- Oi?
  Foi tudo o que consegui expressar. Naquele momento eu já não poderia discernir nem mesmo se era eu ou outra pessoa a falar.
- Você não está louca, você apenas invadiu sua própria mente, e aqui, tudo o que você faz gera reflexo, e o tudo que você não faz também.
- An? Como assim? HAHAHA
  Soltei uma gargalhada em tom de descrédito e desconforto.
- Então eu entrei em minha mente? E por que ela está tão quieta? Por que ela não revela meus questionamentos? Por que não posso desfrutar dos conhecimentos guardados na memória? Por que...
- Minha jovem, se você existisse apenas pela existência mental, onde você e você mesma bastasse, tudo o que conhece como verdade, simplesmente não seria. É impossível um único órgão funcionar se a ele não existir demanda, e essa sala só está vazia e clara porque você se ausentou de seu mundo externo-real. Sem influência do que se percebe fora daqui, o aqui passa a não existir.
- Mas e você?
- Sou o seu inconsciente.
- E por que não me respondeu antes?
- Porque eu estava tentando achar a porta de entrada dessa loucura toda.
- Para você entrar eu preciso sair?
- Sim, a gente apenas coexiste enquanto você estiver viva, mas se aqui continuar, morrerá. Eu corri para esse encontro a fim de evitar tamanha tragédia, mas sua morte está me enfraquecendo. Vá antes que morramos juntas.
- Me desculpa, tudo bem então, não sabia o mal que eu estava causando a nós... Mas, por onde volto? Me perdi nesse lugar.
- Entre em um dos espelhos, se você tivesse tido a curiosidade de se perceber apenas olhando em um deles, veria o que sua mente vê! A saída e a resposta de todas as suas dúvidas, você no mundo!
  E olhando para eu mesma, no reflexo daquela sala mental, sai de minha própria loucura.

2.23.2013

Além do crime


Seria mais um dia normal, Ele estava na porta da casa de sua namorada à sua espera, foi então surpreendido  por um menino que o deu voz de assalto. Ele prontamente passou a chave de seu carro e permaneceu sem oferecer resistência. O menino não sabia dirigir um carro automático e tentou conduzir aquele carrão de maneira atrapalhada. Depois de alguns metros já percorridos, desceu do carro, voltou e deu três tiros no homem.

- Mas por que você matou?
(Silêncio)
- Você já não estava com o carro roubado? Por que não foi embora?
(Silêncio)
- O craque não era o que você queria? Não foi por isso que você roubou o carro?
(Silêncio)
- O que realmente você queria?
(Pausa)
Naquele momento a psicóloga parecia ter encontrado a questão chave do latrocínio.
Ele parecia conversar com sua própria consciência...
(Silêncio)
(Silêncio)
- O que você queria?
(Já mais confiante da pergunta)
- O que eu queria ele não podia me dar
(respondeu o menino instigado pela raiva de ter sido descoberto)
- Mas você já não estava com o carro?
(mais uma vez questionou a psicóloga)
- Eu estava com o carro, com aquele carrão, mas quando olhei no retrovisor, Ele ainda tinha cara de doutor, com relógio caro, roupa cara, e na porta de uma casa chique.
- Mas por que não voltou e roubou o relógio, a roupa...
- Dona, eu poderia ter roubado o relógio e as roupas mas no outro dia ele compraria tudo de novo, o carro o seguro daria outro, eu poderia tirar tudo dele e mesmo assim ele continuaria com cara de doutor, e isso me deu muita raiva, então eu o matei!
(Silêncio)

2.21.2013

Luto à melancolia


Algum Freudista de plantão? 

Nesse silêncio agressivo, 
Me objeto, 
Me "superapego",
Me imPulsiono ego; 
Fragilizo minha imagem na emoção. 

Objetivo o inverso da fonte,
Suicido o libido,
Em hemorragia vivo,
Minha conversão.

Reflito o eco narciso,
Perturbo a estima,
No contra-senso Freudiano,
Me permito ilusão.

Fecho em mim a busca da proteção do ego, busco na volta do eu ideal a superação do objeto morto, e nessa percepção secundária, luto-me uma nova vida. É, até o sofrimento tem explicação, ou pensa-se ter. Não quero nesse diário aberto "e-luz-se-dar" apenas conflitos pessoais, quero me sentir comum a você. Sou mais uma que sofre os dessabores da perda, sou uma comum que sabota o sofrer e vampiriza a dor, uma outra igual por narcisar o ego e por vezes alimentá-lo em paranoias.

Não perca-se pela falta de visão sobrepujada, não morra em si mesmo, porque até a sua "depressão" faz parte de uma queda segura daquilo que se supervaloriza. O problema é viver nos extremos, o difícil é voltar a amar-se depois de uma renuncia objetal, e froids (rs) é ser narciso do seu próprio ego.

Se você já teve alguma desilusão, bem vindo! Há estudos sobre você. E aqui, mais do que contar um fato verídico, ou confessar sentimentos, quero afirmar que te entendo. Minha história é cheia de exemplos, mas quem vos fala nesse momento é um alguém que por amar os porquês e psiquês, busca nos conflitos, uma maneira superável de viver.

Todos nós, fora do campo psicoanalítico, temos no comportamentalismo uma maneira de escolher ceder ou influenciar, então seja sua morada, pelo menos, a conveniência da sobrevivência. Não se permita morte, mas morra para aquilo que te escraviza. Seja autor de si mesmo, porque no mínimo, seu sofrer será uma pulsão para o superego, e no máximo, o reflexo de um narciso vivo que ironicamente ecoa.    



2.20.2013

Complique-se



Engraçado como as definições a respeito de nós mesmos vão mudando de acordo com a conveniência de nosso próprio alter ego. Para alguns somos uma tábua rasa, um papel em branco a ser escrito de acordo com as experiências do meio; Para outros, somos dotados de características inatas, percepções e saberes que nos acompanham naturalmente e que se evolui de acordo com as fases; E outros muitos nem se importam em se questionar.

Difícil se posicionar ou defender uma teoria que reduz nosso comportamento à definições, complicado estabelecer uma coerência expressiva a cerca do complexo eu, e nessa de tentar se entender, seremos eternos caçadores de nós mesmos, já dizia o grande poeta Milton Nascimento. Somos aquilo que desejamos, somos donos de nós mesmos, somos produto do nosso próprio umbigo; Forte isso não? Mas como pensar diferente se projetamos o outro a partir do que entendemos que é certo ou errado.

Nessa de brincar de ser rebelde às convenções, faço uso do que questiono para sabotar meus próprios devaneios. É muito amplo falar de quem somos, porque para se perceber parte é preciso se entender um, e confesso que olhar para dentro dá medo. Sou complexa, funda, e três. Esse corpo que vos expressa, submete-se à alma e obedece ao Espírito. Essa alma porém, sofre os danos do corpo e luta contra o Espírito, enquanto Ele, que manda em tudo, abdica-se de sua autoridade a fim de ser racionalmente percebido e então, respeitado. Que loucura para uma pessoa só.

Sou conscientemente louca, sou a perfeita complexa, sou para sempre a eterna incógnita. E, no que sobrepujo confusões, reflito verdades. Sim, verdades porque não sou única, sou apenas a coragem daqueles que as vezes pela inércia perceptiva não se permitem contradições e contrariedades. Bom, vamos sair um pouco dessa viagem? Porque apesar de tantos delírios casualmente raciocinados, só se enxerga quem abre os olhos da percepção, e apesar de tanta insanidade de definições, um louco nunca usaria de sua loucura para se observar.

Isso tudo apenas para dizer que o que é raso é reduzir, é se estabelecer padrões; Inato é ser complicado e sem resposta. Ser você mesmo? Graça e milagre de um Alguém de três que apenas nos ensina a equilibrar e sermos coerentes na complexidade de nossa alma e Espírito em um corpo que pouco vive. Seja objeto de si mesmo, perceba-se, e assim terá menos tempo para promover o que te desagrada do outro. Sobrará a você a consciência de que seu próximo é outro ser que perambula em confusões, e quem sabe assim, você terá mais compaixão daqueles que tanto ferem o umbigo que você se recusa a saber para que existe.

2.17.2013

A menina e o Pássaro encantado - Rubem Alves


Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…

 Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.

 Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.

 Tenho de ir  dizia.
 Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades  dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.

Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…

 Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.

 Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
 Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…

E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.

 Que bom  pensava ela  o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.

 Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.


2.12.2013

Paz em conflitos



Então o que é ter coerência se o certo é seguir na contramão do mundo? O que é ser razoável se a fé nos impulsiona a crer no que não se vê? Me diga você! Preciso entender como prosseguir na convicção de que o tudo errado pode ser o certo, preciso aprender a descansar no momento em que lembrar de esquecer me torna refém do passado que vive no fim. Alguém pode me ensinar a prudência das atitudes e a sabedoria do silêncio? Será que um dia conseguirei fazer com que minhas convicções espirituais se revelem em práticas? Nesse conflito de ser duas em um mesmo corpo me enlouqueço. Minh'alma e espírito brigam por um também de dois... que de tanto oscilar se multiplica em vários que em nada se parece com o um que conheci. Me tento a continuar olhando para o alvo que só se esquiva da flecha lançada.

E ouvir que nem tudo que está dando certo é certo e nem tudo que dá errado deixa de ser certo me condiciona a prosseguir insanamente sã. Crer é até consolador, mas se permitir silêncio em processos, onde a alma grita por socorro e as atitudes quase ganham vida própria é um desafio. Se você já passou por situações parecidas, se já precisou seguir convícto de que o errado também faz parte do propósito... então me ajude. A inconstância é inversamente proporcional a fé, e para tanto, preciso não mais olhar para a água, não mais me permitir afundar mesmo depois de uma palavra de Deus, mesmo depois de um: vem e anda! Não posso mais ceder ao que vejo, nem me entregar a vaidade da decisão. Se você apenas amar Isaque... Deus o requerirá! E então será necessário muita fé para ter fé.

Como então amar a Deus acima de todas as coisas na prática? Como amar o próximo sendo ele seu principal motivo de dor? Como obedecer os processos? Não, não... não me venha com respostas prontas de que é preciso vigiar, orar, jejuar... porque isso é para quem crê! Quero saber o que fazer quando a fé passa a ser questionada, quando ela se torna um divisor de: ou ande sobre as águas ou afunde nelas. Quero saber quando a oscilação compromete a saúde, a alma e questiona o Espírito.

Se você sempre foi constante, me ensine! Porque tenho vivido pela misericórdia, impulsionada a questionar, essa minha condição medíocre de uma cristã que por crer de mais na promessa se perdeu nela. A graça que me permite continuar me constrange a somente crer. Crer que a fé não me responderá à luz de meus anseios mas ao cumprimento da vontade perfeita do Pai. E se tudo precisou dar errado para que eu esteja dentro desse propósito, então que meus conflitos sejam pelo menos o combustível que me conduzirá à falta de respostas necessárias para que confiar seja verdadeiramente pautado naquilo que não vejo mas espero.

Quanto a sua ajuda, apenas ande junto comigo porque nessa vida fomos chamados para que o testemunho sirva de consolo e esperança. No momento, angústias de processo de um alguém comum que conflita como você. E a resposta para tudo isso? Não há remédio mediatista, nem tão pouco uma solução instantânea, mas há um Deus que cura através da dor. Um Deus que nos permite sofrer o dano de nos esvaziarmos de nós mesmos para que Ele cresça, e finalmente propiciar o bom e agradável amanhã. Se seu Isaque também precisou ser sacrificado, lembre de se questionar onde estava seu coração. Quem sabe... a caminhada até o sacrifício seja o  grande momento de conversão e Isaque um mero instrumento...

E se a sabedoria que almejo, a prudência que busco e toda a constância paciente está propositadamente embutida no conflito, então que seja o questionar minha morada, meus psiquês espirituais minha resposta à permanência livre que me torna refém da presença de um Deus que tudo sabe e inteligentemente nem tudo revela. Um bom caminhar a todos nós. Que a briga constante da carne contra o Espírito seja apenas o despertar de uma consciência: Somos eternos conflitos humanamente ambulantes, mas que essa disputa apenas nos tire da inércia terreno-espiritual e nos conduza à paz em meio a tantas guerras.